Quando entramos para a faculdade de Psicologia, ao ver na grade curricular disciplinas de estatísticas ou correlatas, a sensação é quase sempre a mesma: medo! Pois quem escolhe por esta área, geralmente, não se dá conta de quais serão as matérias exatas. contudo, no decorrer de nossa profissão, principalmente para quem opta pela pesquisa, leitura ou escrita de artigos científicos, por exemplo, a estatística passa a ser uma aliada para compreender ou descrever certos fenômenos psicológicos. E aqui não é diferente. Este texto nos orientará na compreensão de universo das pessoas com deficiência: quantidade, tipos de deficiências, distribuição geográfica e realidade em cada região brasileira.
Dados recentes do Banco Mundial apontam que existem pelo menos 50 milhões de pessoas com deficiência na América Latina e no Caribe, o que representa aproximadamente 10% da população regional. A deficiência é uma importante causa e consequência da pobreza. Cerca de 80% das pessoas incapacitadas dessas regiões vivem na pobreza, o que na maioria dos casos também afeta os membros da família. Estima-se que 68 milhões dessas pessoas vivem nesse estado de extrema pobreza, num círculo vicioso, no qual deficiência gera pobreza ou pobreza gera deficiência.
A taxa de deficiência é especialmente alta nos países que viveram conflitos internos ou externos e nas áreas em que ocorreram desastres naturais. Pessoas que tendem a ser excluídas amplamente da vida social, econômica e política da comunidade, devido a uma estigmatização ativa ou ao desconhecimento de suas necessidades no planejamento das políticas, programas e instalações físicas. Nessas sociedades prevalece a visão tradicional na qual permanece a caridade, a piedade, o modelo médico e assistencialista nas políticas públicas.
Quando o assunto é Educação, apenas entre 20% a 30% das crianças com deficiências estão matriculadas na escola, sendo a baixa frequência escolar delas a consequência da grave falta de transporte, da escassez de professores treinados, de equipamento, mobília, material didático e acesso à infraestrutura de ensino adequado. Além dessas barreiras visíveis, os impedimentos à educação inclusiva de qualidade também decorrem dos obstáculos impostos pelas restrições baseadas em posições ou sentimentos pessoais (“barreiras atitudinais”). Em Honduras, a taxa de analfabetismo das pessoas com deficiência é de 51%, em comparação a 19% da população em geral. No México, esse índice está abaixo de 10%. No Suriname, 90% das crianças com deficiências estudam e frequentam escolas especiais isoladas, enquanto que, no Brasil, estima-se que apenas 20% das escolas públicas estão acessíveis.
No Mercado de Trabalho, entre 80% a 90% das pessoas com deficiência na América Latina e no Caribe estão desempregadas ou não fazem parte da força de trabalho. E os que trabalham, recebem pouca ou nenhuma remuneração. Na Argentina, a taxa de desemprego estimada desse grupo se aproxima de 91%. No México, 75% da população com deficiência está desempregada.
Em questão de Serviços de Saúde, a maioria das pessoas com deficiência não dispõe desses recursos, sem ter acesso físico a hospitais, ficando mais propensas a ser rejeitadas pelas seguradoras de saúde. O resultado disso é que não são oferecidos serviços importantes ou dispositivos para ajudá-las. Nos países em que existem dados disponíveis, menos de 20% dos incapacitados recebem benefícios de seguro.
De certa forma, a realidade brasileira é um pouco diferente, para melhor, do que as realidades da América Latina e do Caribe, tendo já avançado em vários setores. Temos a melhor Legislação do mundo referente às questões dessa classe de pessoas. Muitas coisas já foram conquistadas e muitos espaços abertos e ocupados. Mas muitas coisas ainda precisam ser modificadas, principalmente em relação àqueles que vivem em zonas e regiões brasileiras menos favorecidas ou prejudicadas pela má distribuição de renda ou, ainda, pela falta de uma política governamental e/ou de uma sociedade civil mais efetiva.
Hoje, no Brasil, falar de pessoas com algum tipo de deficiência já não é mais falar de um universo tão pequeno assim, ou como muitos pensam, insignificante. Os números provam isto. Segundo o último Censo Demográfico oficial realizado pelo Instituto de Geografia e Estatística - IBGE no Brasil, divulgado em 8 de maio de 2002, 24,5 milhões de brasileiros têm deficiências, o que representa 14,5% da nossa população. Nos resultados da Amostra Populacional, as deficiências estão estaticamente divididas da seguinte forma:
Detalhando um pouco mais esses dados, 16,5 milhões de pessoas são deficientes visuais, sendo 159,824 totalmente incapazes de enxergar. São 5,7 milhões de brasileiros com deficiência auditiva, dos quais 176,067 têm surdez total.
A pesquisa considerou como deficiência física a falta de um ou mais membros (perna ou braço). Enquanto a deficiência motora foi focalizada como pessoas que têm algumas ou grandes dificuldades permanentes de caminhar, subir escadas, pronunciar palavras ou realizar tarefas da vida diária.
Interessante também que, desta vez, o IBGE radiografou pela primeira vez o índice de casos de deficiência por Estado, ficando assim:
Acima de 16% - Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco.
De 15 a 15,9% - Rondônia, Tocantins, Bahia, Alagoas, Espírito Santo e Rio Grande do Norte.
14 à 14,9% - Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Sergipe, Minas Gerais e Rio da Janeiro.
13 a 13,9% - Acre, Goiânia, Paraná e Santa Catarina.
Até 12% - Roraima, Amapá e São Paulo.
Durante muitas décadas, a deficiência – por ter uma maior incidência em países em desenvolvimento - remeteu-nos a uma questão social, sendo que para quem as têm as únicas condições de vida são: a fome, a pobreza, a miséria e a falta de perspectiva. Muitas dessas pessoas sobreviviam da caridade alheia, em meio inadequado, levando-as para condições de “inválidos sociais” ou “coitadinhos”. Em contrapartida, pessoas com deficiência nascidas nas classes mais privilegiadas, facilmente adquiriam o status de “super-heróis”, em razão de meio mais adaptado às suas necessidades e condições de um bom trabalho de reabilitação e acesso à educação. E essa alternância ainda não foi de toda erradicada do país.
Outra realidade apontada pela pesquisa é que a taxa de incidência de deficiência entre pai, mãe e sogro (53%), seguidas daquelas obtidas por chefes de família (24,3%) e cônjuges (18,1%), tendo, assim, graves consequências com o impacto da idade, sendo que os chefes de família e os cônjuges são os principais provedores de renda dentro da família.
Grande parte da população de pessoas com deficiência, 46%, vive em condições miseráveis. Por ter algum tipo de deficiência ou incapacidade, tem uma contribuição baixa na desigualdade de renda familiar per capita 0,26% e 0,10%.
Uma vez que a realidade brasileira é formada de diversidades pessoais, culturais, mesclando etnias, crenças e religiões, numa pseudodemocracia, visando combater à pobreza e à desigualdade, precisaremos reconhecer diferenças e impedir que elas se traduzam em desigualdades. Encarar a diversidade não como sinônimo de adversidade para os diferentes, não tratando os desiguais na medida da sua desigualdade, mas procurar conhecer em profundidade cada grupo excluído.
As deficiências no Brasil não são exclusividade urbana. Vários séculos já se passaram e hoje essa questão está sendo mais aceita entre nossos indígenas, que não mais praticam a política de exclusão. Uma pesquisa divulgada em dezembro de 2005 pelo IBGE, mostrou que 17% dos índios brasileiros sofrem de deficiências físicas ou mentais. Em 2000, das 734 mil pessoas autodeclaradas índios, 125 mil apresentavam pelo menos um tipo de deficiência.
O problema é maior nas áreas urbanas (23,1% ante a 10,5% nas áreas rurais) e atinge mais às mulheres (18,2%) do que os homens (15,9%). A principal deficiência encontrada à época da pesquisa foi a cegueira (12,1% na média global, chegando a 19% entre as mulheres urbanas). Em números relativos, 6,2% declararam-se incapazes ou com grande dificuldade permanente para andar. Entre os moradores em terras indígenas, os índices daqueles que apresentam pelo menos um tipo de deficiência física ou mental caem pela metade.
Os números refletem no cotidiano. Essa quantidade de pessoas com deficiência no Brasil passou a ter um peso significativo na sociedade. Pessoas que nas últimas décadas, não contentes com o isolamento social, resolveram pôr a cara na rua, visando conquistar o seu lugar no seio social. Presentes hoje em todos os segmentos, deixaram de ser os "coitadinhos" para ser um público consumidor, produtivo, sabedor de onde realmente quer chegar e exigente de bons serviços.
Consequência disso, é que cada vez mais o contexto social está se vendo obrigado a promover e se adaptar à política da inclusão social para recebê-las. Por lei, o mercado de trabalho está tendo que reservar vagas em seus quadros de funcionários; as escolas e universidades públicas estão tendo que se reestruturar para que alunos com e sem deficiência dividam as mesmas classes de aula; pessoas com deficiência estão cada vez mais presentes nos lugares de lazer, consumindo cultura e outros produtos: em espaços urbanos as barreiras arquitetônicas estão começando a ser eliminadas com a construção de rampas, telefones públicos, degraus e guias rebaixadas, construções de elevadores e muito mais; os empresários, atentos às novas tendências, estão criando serviços especializados a essas pessoas; até mesmo os órgãos de comunicação estão abrindo cada vez mais espaço para essa temática.
Uma sociedade inclusiva e adaptada a todos de convivências naturais, a meu ver, será só uma questão de tempo. Pois nos últimos dez anos, mergulhamos num processo irreversível!