A prática da cidadania só adquire sentido se em
seu horizonte estão os direitos de todos, a igualdade perante a
lei, a defesa do bem comum. (João Batista Libanio)
Muito se fala em ser cidadão e ter cidadania, mas tão pouca gente sabe,
em verdade, o significado dessas palavras e ainda mais de onde vieram e como
chegaram aos dias atuais. Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
propriedade, à igualdade perante a lei. É, em resumo, ter direitos civis. É
também participar no destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos
políticos.
Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos
sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva:
o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a uma velhice
tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais,
fruto de um longo processo histórico que levou a sociedade ocidental a conquistar
parte desses direitos.
Cidadania não é uma definição estanque, mas um conceito histórico, o que
significa que seu sentido varia no tempo e no espaço. O conceito de cidadania
esteve ligado, durante mais de século, à classe burguesa. Afinal, cidadania vem
de “cidade”, e cidadão era o homem que, livre da gleba feudal, habitava a
cidade. Assim, “cidadão” e “burguês” eram, a grosso modo, entendidos como
conceitos sinônimos. Hoje, cidadão é aquele que convive numa sociedade
respeitando o próximo, cumprindo com suas obrigações e gozando de seus
direitos.
Da mesma maneira, como cidade era o símbolo da liberdade, em
contraposição à servidão feudal, e como seus habitantes não eram nobres
aristocráticos de “sangue azul”, a palavra chave que exi-giam era igualdade.
Quando a burguesia assume o poder, na Revolução Francesa de 1789, as palavras
igualdade e liberdade ganham conteúdo ideológico. E com elas, o conceito de
cidadania.
Assim, cidadania é um conceito que adere ao conceito de classe burguesa,
não interessando, portanto, às classes antagônicas a ela. Os conceitos de
liberdade e igualdade, no ideário burguês, só subsistem aco-plados à
propriedade. Assim, para a burguesia, é a propriedade que constitui o homem
livre, é a propriedade que constitui os iguais (ou, em contraposição, os que
não podem ser tidos e tratados como iguais).
Somente na década de 70 de nosso século a intelectualidade e os chamados
intelectuais orgânicos das classes subalternas vão reconstituir o conceito de
cidadania, ampliar sua abrangência e reinterpretar os conceitos burgueses de
liberdade e igualdade. Foi necessária uma reinterpretação para recolocar o
conceito de cidadania como conceito universal e como conceito-base para a
reconstituição da estrutura social e política.
Cidadania passou a ser entendida como o ato de o homem constituir-se
como homem entre outros homens e como homem que, com os outros homens, constrói
o mundo humano, material e simbólico em que subsiste. Ser cidadão é ser sujeito
do processo histórico, em contrapo-sição ao ser objeto, sobre o qual incide a
ação do sujeito; é ser agente, produtor do espaço cultural em que deverá viver.
Constituir-se como cidadão é assumir-se protagonista do processo
histórico. E, assim sendo, o cidadão não delega responsabilidades, não deixa parte
de si para outrem. Ele luta pelo bairro onde está, participa politicamente, não
aceita perder conquistas já efetuadas, exige salário digno para aquilo que faz,
exige justiça para si e para os outros. Não existe educação senão para a
constituição da cidadania plena, quer seja do indivíduo, quer seja da
coletividade.
Finalmente, entende-se que ter cidadania é nunca permitir que o dado
seja aceito sem a necessária reflexão, sem consciência crítica. Ser cidadão é
nunca se permitir ser objeto, mas sim, construtor de seu próprio ser, de sua
própria identidade, do seu próprio mundo.