Damien Hazard, coordenador da Vida Brasil e diretor executivo da ABONG
Não tem muitos anos que as pessoas com deficiência tornaram-se visíveis para a sociedade e passaram a transitar nas ruas das cidades e em espaços e edifícios de uso público, a usar os meios de transporte ou ainda a ser vistas na mídia. Na realidade, estas pessoas passaram a integrar a sociedade há cerca de três décadas.
Os anos 1980 foram instituídos como Década Internacional das Pessoas com Deficiência pelas Nações Unidas e levaram à criação de organizações de pessoas com deficiência em todo o mundo, inclusive no Brasil. Foi o caso, por exemplo, do Centro de Vida Independente (CVI), organização situada do Rio de Janeiro. A primeira do gênero na América Latina, o CVI foi criado em 1980 e participou mais tarde, em 1991, da fundação da AONG.
As primeiras entidades com atuação direcionada a este público foram criadas em todo o País nesta mesma época, em geral, segmentadas por tipo de deficiência. Diferenciaram-se das organizações até então existentes nesta área, criadas tradicionalmente por familiares e amigos/as, e que falavam por estas pessoas. Com o surgimento das organizações “de” pessoas com deficiência, em oposição às organizações “para” pessoas com deficiência, essa população começou a ter voz própria.
Afirmar-se como uma pessoa com deficiência passou a ter uma conotação política. Em vez de objeto de pena, ser uma pessoa com deficiência começou a significar ser um sujeito de direitos. Além das organizações de pessoas cegas, surdas ou com algum tipo de deficiência física, novas entidades surgiram a partir da década de 1990 e, principalmente, nos anos 2000, e com elas novas identidades: pessoas com albinismo, com doenças crônicas renais, com visão monocular ou ainda com Síndrome de Rett ou anemia falciforme, entre outras. Para cada um desses novos movimentos, surgia um novo olhar sobre a sociedade, sobre as necessidades próprias de cada grupo identitário e eram apontadas políticas específicas para cada um deles. O mundo das pessoas com deficiência revelava-se o mundo da diversidade humana.
Enquanto as entidades de pessoas com deficiência surgiam e articulavam-se por tipo de deficiência, outros movimentos, que não eram nem “de” nem “para” pessoas com deficiência, apareceram e contribuíram para aprimorar a problemática dessa parcela tão significativa e plural da população. Estas novas organizações vieram para lembrar que cada pessoa com deficiência não era apenas surda, cega, com deficiência física ou intelectual, mas que também pertencia a outros grupos e apresentava outras características humanas e outros fatores que poderiam contribuir para serem discriminadas, como, por exemplo, por serem negras, indígenas, mulheres ou idosas, categorias da população que apresentam uma maior incidência da deficiência. Organizações feministas e de direitos humanos, notadamente, tiveram esse papel fundamental.
Enquanto o movimento das pessoas com deficiência reivindicava a sua independência, o movimento feminista trouxe para a pauta a dimensão da dependência e deu visibilidade à importância do cuidado e das cuidadoras no que se refere à dor e às lesões, ao envelhecimento e às doenças crônicas. Mesmo reconhecendo a deficiência da sociedade e a necessidade de interferir no seu ambiente físico, o movimento feminista apontou as diferenças existentes entre as diversas pessoas e, sobretudo, a possibilidade de pessoas sem deficiência falarem a respeito do tema, como no caso das cuidadoras.
Organizações de direitos humanos, que surgiram a partir dos anos 1990, também contribuíram de forma muito expressiva para esse debate. É o caso da Associação Vida Brasil, criada em 1996. A entidade foi pioneira quando introduziu a temática da acessibilidade em Salvador (BA) e a apresentou como uma questão de direitos humanos antes mesmo de ela ser contemplada pelas legislações nacional e internacional. A Vida Brasil contribuiu para a criação de uma rede que reuniu todas as organizações, independente do tipo de deficiência, e qualificou as suas lideranças e sua incidência política no debate acerca das políticas urbanas e de desenvolvimento. Estabeleceu pontes e relações com outros movimentos, dentre os quais o movimento negro, o movimento do direito à cidade, o movimento da saúde mental, de crianças e adolescentes, de economia solidária, entre outros.
Dia 03 de dezembro, declarado como Dia Internacional das Pessoas com Deficiência pela ONU em 1992, é um dia para expressão de todas essas organizações. É um dia para dar visibilidade aos direitos das pessoas com deficiência, no Brasil e no mundo. Nos quatro cantos do planeta, as organizações da área da deficiência estão mobilizadas e manifestam-se. Foi a Vida Brasil que celebrou a data pela primeira vez em Salvador em 1997, quando organizou o primeiro Seminário sobre Acessibilidade. Com o passar dos anos, o Seminário de Acessibilidade e Cidadania de Salvador tornou-se um marco na capital baiana, palco da expressão cidadã e democrática das pessoas com deficiência acerca das políticas urbanas e de desenvolvimento. 16 seminários foram realizados ao longo desses anos.
Neste dia 03 de dezembro, uma sessão especial foi realizada na Câmara Municipal de Salvador para comemorar os 18 anos da organização Vida Brasil. O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência é uma oportunidade para lembrar que a luta continua para todos os movimentos e organizações que militam pelos direitos dessa população. Avanços significativos foram alcançados, a exemplo da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Instituída em 2006 e elaborada com a participação de representantes de movimentos oriundos de todo o mundo, a Convenção foi ratificada em 2008 pelo Brasil. Mas, ainda falta muito neste caminho de construção da cidadania. Para que a Convenção seja de fato efetivada, é preciso que este dia e que esta luta sejam apropriados por todos e todas nós.
FONTE: http://abong.org.br/informes.php?id=8163&it=8177 Acessado em 08/12/2014 postado por: Antônio Brito
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